Vick
Ainda há quem acredite em contos de fada... E ainda há quem queria fazer parte de um e por isso transforma cada gesto numa cena, numa página... E há essa princesa. Princesa porque fizeram-na acreditar em sonhos, em possibilidades, em escolhas.

Ela era feliz. Tinha uma vida feliz, uma família feliz. Sonhava, corria, cantava para os animais... Era uma criança; se em alma ou em idade, impossível saber. Sempre foi bonito vê-la caminhar sem rumo. Entre escolhas, caminhos, perdas e abandonos, ela seguia. Às vezes cercada por multidões, às vezes por poucos amigos, às vezes por animais, muitas vezes só. E num desses desvios, havia uma nova escolha a fazer. Havia três reinos. Três príncipes. Três vidas. E ela podia ver um esboço dessas vidas. Ela só tinha que escolher.

O primeiro príncipe lhe oferecia o riso como vida. Oportuno ou não. Dizia-lhe que era carinhoso e bom. O melhor entre os bons. Contava quantos já derrotara e por onde andara com seus amigos. Gabava-se de uma habilidade incomum: saber quanto poder o outro tem através de suas posses. Seus pais lhe deram os mais belos berços, mas esqueceram das prioridades. Esqueceram, também, de avisar ao jovem príncipe que encarar o mundo como fazia era um enorme equívoco e que ao seu redor tudo ficaria deserto se permanecesse com tais projetos. Via na ambição o caminho para o sucesso. Ela não concordava. Mesmo sendo obrigada a realizar uma escolha para poder seguir com sua vida, a princesa não queria somente o riso ou a falácia. Ela precisava de mais. Ela sabia que podia oferecer mais. Acabaria vazia por tentar preencher as lacunas que o principezinho deixava em branco.

E foi ao outro lado. Olhou para o outro canto e avistou outro príncipe.

O segundo príncipe lhe oferecia o sonho e a aventura como vida. Conseqüentes ou não. Contara-lhe sobre todas as campanhas que fez e por todos os reinos pelos quais passou. Mostrou um corpo esculpido pela aventura. Mostrou que os pequenos de seu reino o idolatravam. Procurou parecer sempre bom. E no fundo ela sabia que ele era. Prometeu-lhe um mundo de conquistas, viagens, mais sonhos e mais aventuras. Parecia tudo muito bonito e excitante. Mas a pequena princesa precisava, também, de bases e momentos de acolhimento. Imaginava como seria viver de paisagens e não via a felicidade, apenas lugares bonitos. Ela não queria mudar sempre. Ela não queria mais viver um pouco de cada lugar. Ela queria saber como é aproveitar cada momento do lugar em que está. Sempre lhe faltou algo. Seguir o galante príncipe seria cansativo. E esperá-lo seria arriscado. Quando estariam juntos de verdade? A única resposta que ecoava em sua mente era: “Nunca!”… E isso causava um desespero sem igual nela.

Então olhou para o príncipe à frente. Ela não havia reparado nele antes porque já o conhecia há algum tempo. Mas foi naquele momento que ela havia visto um príncipe no lugar do sempre amigo.

Ele lhe oferecia algo que nunca teve: vida como vida. Com bons momentos. Com maus momentos. Mas era a mais pura e tenra concepção de vida que ela havia ouvido dos três. Os sonhos existiriam, mas seriam transformados em realidade. Mas não seria a consumação da perfeição. Ela o conhecia. Sabia dos seus defeitos, porém amava suas qualidades. E de tudo que ouvira naquele dia, as palavras leves que o bom príncipe dizia soavam como poesia ou coisa parecida. Era bom demais para ser verdade. Mas era. Seria o momento de experimentar as frutas que sempre desejou, mas ninguém ao seu redor pôde oferecer. Parecia o momento. O passo. Ela sabia exatamente onde pisaria. Ele não entrava em contradição como o jovem príncipe ou esbanjava de um ar aventureiro extremista como o galanteador. Ele parecia um príncipe normal. E isso a atraía muito. Ela deu um passo à frente. Queria aceitar a chance. Queria mesmo. Mas teve medo.

E recuou. Deu as costas a todos eles. E deu um presente a cada um deles.
Ao primeiro, deu seu sorriso mais complacente e um conselho: que crescesse como homem antes de se tornar rei.
Ao segundo, deu seu abraço mais saudoso e, também, um conselho: que aprenda a criar raízes antes que seja tão superficial a ponto de virar pólen.
Ao terceiro, deu sua lágrima mais sentida e fez um pedido: que não perdesse o pedaço da alma que ela havia dado através de um pequeno símbolo próprio.

E voltou pela mesma estrada que a levou aos três príncipes. Tentou reparar nos pequenos detalhes que havia ignorado na primeira passagem. E então ela viu, sentado à beira da estrada, um jovem rapaz. Muito bonito, muito educado, muito gentil... Perguntou se podia se juntar a ele no que estava fazendo. Fora aceita imediatamente. Ele trazia consigo boas histórias e um instrumento para abalar os momentos de quietude. Conversaram por horas... Dias... Os outros procuravam pela princesa, mas ela permanecia ao lado do rapaz tido por incógnita. E eles dormiam e amanheciam perto. Faziam planos e suspiravam por decisões que tomaram e por decisões que deviam ter tomado. Mas algo nele a acalmava como em poucas vezes. Naqueles momentos, o resto não importava.

Os outros não saíam de seu pensamento. Procurava incansavelmente por respostas. Para ouvir e para dizer. Esperava que alguém viesse e a salvasse do turbilhão de angústias que a cercava. Rezava baixo para que o primeiro príncipe entendesse que precisava crescer, para que o segundo não perdesse sua fé nos seus sonhos e para que o terceiro não perdesse a sua alma. E esperava feliz ao lado daquele que parecia ser o único que a entendia. E ela queria estar ao lado dele mesmo que não se entendessem.

Diferentemente dos outros contos de fada, nesse não houve um final feliz.

Ainda não.

AGORA

Simple Man - Deftones

1 Response
  1. Tilty Says:

    Aos olhos das crianças, o mundo é mágico, simples e tudo é possível. Quando crescemos, enchemos nossa vida de problemas e complicações, mas tudo se resolve novamente quando estamos apaixonados.