Vick
É triste constatar que a Lua possui a luz natural mais bela que ignoramos... Que o pôr-do-sol é o momento mais intenso que ninguém se dá ao luxo de perceber... Que um abraço é tão vital que quase nunca damos abraços verdadeiros... Que as mãos têm linhas tão suaves e que nos dizem tanto por tão poucos centímetros de contato que encobrimo-nas por pura falta de tato. Olfato. Paladar. Audição. Visão. O ambiente, o momento, até mesmo o pensamento sempre tem uma característica sensível a nós, simples espectadores de uma falsa tragicomédia a qual nos cria a ilusão de que participamos ou interferimos em algo.

No fundo, tudo faz parte de uma estrutura tão complexa quanto o equilíbrio do deslizar de uma bolha de sabão pelo ar ou até mesmo do desespero do bater de asas de uma libélula. O que é sonho, o que é realidade, o que é vontade... É tudo sempre equacionado de alguma maneira estranha e gostosa que nos faz querer sempre mais... Nunca há satisfação. E nem deve, de fato, haver. Satisfação leva à acomodação, que, por sua miserável vez, leva à insignificância das sensações mais arrebatadoras possíveis. Perde-se o brilho do sonho pelo sonho, pela vontade de torná-lo um sonho um pouco mais real...

Seria bonito seguir com o reflexo de um raio de sol refletido nos olhos, num fim de tarde qualquer, num dia aprazível de céu rosa. Olhar pra trás e não se perguntar o porquê de estar ali, nem qual a direção do próximo passo, nem onde deixar a próxima pegada é massagear um pouco o espírito... A alma por si, por nós, por qualquer coisa que valha a pena por alguns momentos... E que depois seja seguida a trilha de migalhas deixadas... Os pombos que aqui pairam não as comeriam... São migalhas pesadas demais para serem digeridas. Elas apenas ficaram ou sobraram. Volte e sempre estarão lá. E você, de algum modo, é responsável por todo o efeito que ela causa no ambiente em que se encontra. Se visível ou não, apenas por ser existente se faz importante. De fato, aconselharia deixá-la ali... Já consumiu toda a bondade do fruto que a originou. Como nós.

Se fechássemos os olhos por um segundo, ainda sentiríamos o gosto daquela gota de chuva que perpassou por nossa face e respingou na boca num outro dia qualquer... E ainda que o céu caísse sobre os ombros do mundo, ainda sentiríamos o sabor de cada gota. Perguntar-nos-íamos, então, onde estávamos por todo esse tempo em que respingos de felicidade e realizações caíam sobre nós... Estávamos ali, assistindo. Sem interferir, como sempre. E bem como tal, sem dar valor.

Talvez seja a hora de não mais rir por ver corações em nuvens ou árvores, de acreditar que o céu está sempre um pouco acima de nós e com alguma vontade é possível toca-lo... Acreditar em nós por acreditar... E nos dar chances, desejos, mudanças... Quebrar o medo de arriscar traçar retas curvas em caminhos paralelos... Acredito que o impossível deixa de sê-lo no momento em que esses caminhos tão duros e estritamente paralelos se cruzam, no infinito do mundo. Dois metros à esquerda, três passos à frente e um beijo no rosto.


AGORA

Wiseman - James Blunt