Vick
Ah! A deliciosa sensação de derrota... Como é gostoso sentir-se incapaz e com as mãos atadas, vedadas com o pior dos nós! É tão incrível essa tendência humana ao erro e ao desespero, quiçá raiva, que chega a soar bela a destruição das vontades e desejos mais profundos dos reles telespectadores que aqui fingem habitar. As minhas personagens parecem não cansar desta sensação. Uma a uma caem e recaem sobre os pés da insatisfação; sempre insatisfeita com o estado catatônico que deixa o corpo. Os corpos. Mortos. Um a um. Sugados, escoados, turvos e perdidos. Às vezes as horas e os dias custam a passar tanto quanto custa cortar os pulsos com uma faca cega. Custam a passar tanto quanto se demora para perder sangue suficiente para desfalecer. Demora. O vermelho do sangue, e do amor, doce e fatal, dilui à medida que água perpassa à pele... Os cabelos molhados caem sobre o rosto molhado do corpo molhado e caído em algum lugar invisível, seco... Num canto escuro, atrás de algum armário de um banheiro qualquer. Qualquer um. Qualquer personagem. Sempre um qualquer que não consegue curar a dor de saber. É sempre a pior pessoa quem sabe. O eu.

O outro também é “eu”, mesmo enquanto outro partícula do mundo. E também sou eu. Nós. Tramas infinitas, retas quase sempre curvas. E o ad-infinitum inexiste. O momento traz o sabor da delícia mais desgostosa dos desprazeres prazerosos. É ele que nunca é valorizado, mas que sempre ensina como adentrar no processo de valoração. O valor só existe ao passado, ao perdido, ao nunca conquistado. A vontade não realizada que se transformou em gotas lavadas, identificáveis através de luminol, é fruto do momento impensado, não valorizado, excluído do processo de crescimento e seleção de cenas o qual apelidamos de vida. Cenas coladas não podem vir a ser vida. Não só isso. Não só elas. Não haveria real função para tanto valor a algo tão superficial, montado, verificado, previamente aprovado, dirigido, padronizado, seriado, desvirtuado. São cenas vazias e ditas importantes que você mostra aos outros e ao mundo. E são essas cenas que nos dizem absolutamente nada. Mesmo que o nada tenha seu próprio valor enquanto palavra e condição, entretanto viver acondicionado ao nada é a pior coisa do mundo. Viver de pretextos formulados e opressores não pode ser viver de verdade.

A boa notícia? Não há como não viver assim... Já é tratável como algo inerente. Será uma característica eternamente repassada, implantada e manipulada no homem pelo homem. Se tantos soubessem como poucas palavras poderiam mudar os momentos de real vida de tantos outros... Sim. Não. Só. A sós. Um ombro. Um abraço. Um até logo. Um obrigado. Algumas pequenas decisões, responsáveis ou não, poderiam mostrar ao mundo que a vida do eu e do outro, consequentemente dele, está nos cortes que não vão ao ar da sociedade. É aquilo que você faz enquanto acredita não estar sendo visto por ninguém, mas a pessoa mais maravilhosa e a pessoa mais cruel já viram. Você.
O que é certo, o que é errado... Ambos vêm da certeza da tentativa, não da dúvida corrosiva de todo o sempre. O poder da ilusão traz à tona uma força descomunal e comparável ao entardecer de um bom dia ao lado de uma boa companhia, mesmo quando não passa de um dia qualquer de solidão.

Há coisas que perdemos como quem perde a vida por uma brecha nos pulsos, por vontade inconsciente, culpa ou desejo nato... Já aquelas que nos são arrancadas através de uma perda incomum, não prevista, não cogitada... São as únicas que, de alguma forma, nos ensinam como galgar cada centímetro daquele certo pulo fabuloso. E nos ensinam a remontar os pontos quebrados nas quedas, a trazer de volta, ou fazer valer, o sangue perdido e, por fim, a deixar a marca necessária na face de quem nos virou o rosto e retirou a mão quando mais parecíamos precisar. Mesmo quando tudo não passava de um golpe. Se da vida, se nosso, se do outro, se do mundo; não sei. Sempre Golpe. E um Brinde, sempre.


AGORA

Amor Porteño - Gotan Project