Vick
Não consigo encontrar uma explicação plausível para o que vem me acontecendo... Eu, que sempre recriminei as possibilidades fajutas e ilusórias, as esperanças desnecessárias, os sonhos irrisórios, a mediocridade da acomodação, a insuficiência da vontade, o medo da dor, a falta de crença no brilho do olhar, a falta de coragem para levantar e encarar a pior pessoa do mundo no espelho, a covardia diante dos desejos mais incontroláveis, a falta de visão no caminho, o objetivo comum mascarado, a desvalorização do segundo como momento especial... Que sempre coloquei essas atitudes num patamar inferior... Sempre quis mostrar que não se vive assim, que há melhores escolhas a serem feitas... Estou doente, fraca. Estas foram atitudes inerentes a mim por muito tempo... Mas agora vejo que era uma farsa. Sempre foi. Pelo simples fato de que eu sou uma farsa. Ou eu realmente estou doente.

Talvez eu não exista como sempre imaginei. Com certeza, eu não tenho me sentido de verdade. Parece que tudo que preguei foram palavras bonitas às paredes esperando que fossem rebatidas e voltassem para mim de alguma forma um pouco mais penetrante. Em um dia eu pude perceber como eu me apego a possibilidades tão remotas quanto o controle que me deixa mudar o canal da televisão na sala do quarto, deitada, inerte. Como criei esperanças quando senti um toque diferente do vento no meu rosto e achei que era uma espécie de sinal divino me avisando que as coisas iriam mudar. E nunca mudaram. E eu sempre aceitei. Eu tenho tempo para os outros e para o mundo, mas esqueço de nutrir o fogo que tenta aquecer a minha alma e por isso ela vem esfriando a cada dia. Eu estava cheia de vontades insignificantes, incapaz de torná-las desejos aguçados ou somente as seguir...

As coisas que queria não foram consumadas mesmo quando todas as minhas forças haviam sido canalizadas... Agora que não se realizaram, começa a surgir a dúvida sobre a veracidade do valor que tinham... Talvez não fossem me fazer o bem que eu imaginava e esperava, e confesso que ainda imagino e espero, mas eu não consigo imaginar falta mais corrosiva que a que estou sentindo agora... É como se toda a estrutura do meu corpo estivesse fragilizada e a alma escapasse pelas pequenas grandes lacunas que se espalham por mim... E são muitas... Eu vou perdendo o fôlego e me contorcendo no chão... Como se os espasmos no peito não fossem parar enquanto não acabassem as lágrimas ou o ar. Eu quero meus sonhos de volta. Eu era feliz com eles.

Talvez eu não seja a farsa que pareço ser depois desse texto... Talvez eu só precise de um pouco da esperança que tanto repudio... Eu acreditei tanto nas coisas que disse ao outro e ao mundo que esqueci que nada é tão letal que não seja, em mesma proporção, essencial. Eu não devia ter deixado os sentidos, as sensações e os sentimentos de lado por coisas que acreditei. Por isso eu já não tenho muito. Já não tenho muito tempo para investir no normal. Os extremos tiraram de mim sopros vitais. Perdê-los, e em seqüência, não tem me feito bem... Mas vai passar. Já está passando. Provavelmente em muito menos tempo do que parece que vai durar já terá passado por completo. Vou me preparar para reorganizar o meu castelinho e seus longos muros.

AGORA

Espatódea - Nando Reis